Contribuição do laboratório clínico com os peptídeos natriuréticos

Insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento. Tal síndrome pode ser causada por alterações estruturais ou funcionais cardíacas e caracteriza-se por sinais e sintomas típicos, que resultam da redução no débito cardíaco e/ou das elevadas pressões de enchimento no repouso ou no esforço.


O termo “insuficiência cardíaca crônica” reflete a natureza progressiva e persistente da doença, enquanto o termo “insuficiência cardíaca aguda” fica reservado para alterações rápidas ou graduais de sinais e sintomas resultando em necessidade de terapia urgente. IC pode ser determinada de acordo com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (preservada – ICFEp, intermediária – ICFEi e reduzida – ICFEr), a gravidade dos sintomas (classificação funcional da New York Heart Association − NYHA) e a progressão da doença (estágios da American College of Cardiology/American Heart Association).

Peptídeos natriuréticos

Dentre os diversos biomarcadores estudados em IC, destacam-se os peptídeos natriuréticos BNP e NT-proBNP, cujo papel no diagnóstico de IC está bem estabelecido, tanto no cenário da sala de emergência (agudo) quanto em pacientes com IC crônica, ambulatoriais.

A dosagem de peptídeos natriuréticos BNP ou NT-proBNP pode ser útil em casos de dúvidas diagnósticas em pacientes com queixa de dispneia, podendo servir como exame de triagem na atenção primária. Os pontos de corte que excluem o diagnóstico de IC variam de acordo com a apresentação da doença, aguda (não abordada neste informativo) ou crônica. Existe incerteza sobre o ponto de corte ideal para definição diagnóstica em paciente ambulatorial para valores de BNP. O uso de valor de 50 pg/mL, como sugerido por especialistas canadenses, é embasado no ensaio clínico de estratégia de rastreamento STOP-HF (St Vincent’s Screening TO Prevent Heart Failure) e implica em especificidade maior, limitando o número de diagnósticos falso-positivos. O uso de ponto de corte de BNP acima de 35 pg/mL, como sugerido por especialistas europeus, acarreta em sensibilidade maior, reduzindo falso-negativos, mas implica em investigação adicional em muitos pacientes que não terão IC. Valores de BNP < 35 pg/mL ou NT-proBNP < 125 pg/mL praticamente excluem o diagnóstico de IC. Valores acima destes cortes necessitam de avaliação clínica e complementar com ecocardiografia para confirmar o diagnóstico, caso haja dúvidas pela avaliação clínica isolada.

Em pacientes com ICFEp, os peptídeos natriuréticos também têm papel importante. Embora se postule que sua dosagem seja incluída como critério diagnóstico de ICFEp (sinais e sintomas de IC; níveis elevados de peptídeos natriuréticos; e sinais ecocardiográficos que sugiram alteração estrutural e/ou disfunção diastólica), tais valores podem sofrer influência de comorbidades frequentes na população com ICFEp (elevar-se na anemia, idade avançada e insuficiência renal crônica). Seu papel é ainda mais marcante como biomarcador prognóstico, uma vez que níveis elevados estão associados a pior mortalidade ou hospitalização por IC nesta população.

Após o ajuste medicamentoso, espera-se redução dos valores dos peptídeos natriuréticos em resposta ao tratamento. A ausência desta redução ou o aumento dos valores indicam mau prognóstico. Este monitoramento pode ser útil, quando há dúvidas na resposta ao tratamento baseada nos parâmetros clínicos. Em pacientes usando sacubitril/valsartana, a monitoração deve ser feita por meio do NT-proBNP, uma vez que o sacubitril inibe a degradação do BNP, aumentando seus valores.
Limitações: NT-proBNP é mais suscetível a elevações em pacientes com doença renal, pela excreção principalmente pelos rins. Além das condições citadas acima de elevação, os peptídeos natriuréticos podem apresentar níveis mais baixos na obesidade. O BNP tem estabilidade limitada, já o NT-proBNP tem meia-vida mais longa, isso não parece ter implicações clínicas significativas e o torna mais estável para dosagem laboratorial.

Principais passos no diagnóstico da insuficiência cardíaca crônica (ICC)

Segundo o Guideline da Sociedade Europeia de Cardiologia 2021, o diagnóstico de ICC requer a presença de sintomas e/ou
sinais de IC e evidência objetiva de disfunção cardíaca. Os sintomas típicos incluem falta de ar, fadiga e inchaço no tornozelo.
Sintomas e sinais não têm precisão suficiente para serem usados sozinhos para fazer o diagnóstico de IC. O diagnóstico é mais
provável em pacientes com história de infarto do miocárdio, hipertensão arterial, doença arterial coronariana, diabetes
mellitus, uso indevido de álcool, doença renal crônica (DRC), quimioterapia cardiotóxica e em aqueles com história familiar de
morte súbita.
Os seguintes testes de diagnóstico são recomendados para a avaliação de pacientes com suspeita de IC crônica:
• Eletrocardiograma (ECG). Um ECG normal faz o diagnóstico de IC improvável. O ECG pode revelar anormalidades como fibrilação atrial (FA), Q ondas, hipertrofia do VE (HVE) e um complexo QRS alargado que aumentam a probabilidade de diagnóstico de IC e também pode orientar a terapia.
• A medição de Peptídeos natriuréticos é recomendada, se disponível.
• Investigações básicas como ureia sérica e eletrólitos, creatinina, hemograma, testes de função hepática e tireoidiana são recomendados para diferenciar a IC de outras condições, fornecer informações de prognóstico e orientar a terapia.
• A ecocardiografia é recomendada como investigação chave para a avaliação da função cardíaca. Assim como a determinação do FEVE, a ecocardiografia também fornece informações sobre outros parâmetros como tamanho da câmara, HVE excêntrico ou concêntrico, anormalidades do movimento da parede (que podem sugerir CAD subjacente, síndrome de Takotsubo ou miocardite), função do VD, hipertensão, função valvar e marcadores de função.
• Recomenda-se uma radiografia de tórax para investigar outras causas potenciais de falta de ar (por exemplo, doença pulmonar). Também pode fornecer suporte evidência de IC (por exemplo, congestão pulmonar ou cardiomegalia).


Pacientes com doença não-CV, como anemia, pulmonar, renal, tireóide, ou doença hepática pode ter sintomas e sinais muito semelhantes os da IC, mas na ausência de disfunção cardíaca, eles não preenchem os critérios para IC. No entanto, essas patologias podem coexistir com IC e exacerbar a síndrome da IC.

A etiologia da IC difere de acordo com as diferentes regiões ao redor do mundo, e, quando diagnosticada, buscar a causa para o desenvolvimento da IC tem particular importância, uma vez que o prognóstico também difere entre elas, podendo orientar tratamento específico.

Referência: 1. Eur Heart J. 2021 Sep 21;42(36):3599-3726. doi: 10.1093/eurheartj/ehab368. Erratum in: Eur Heart J. 2021 Oct 14; PMID: 34447992.

  1. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):436-539. 3. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1174-1212. 4. Circulation. 2022; 145:e895–e1032. DOI: 10.1161/CIR.0000000000001063

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