Departamento de Tireóide do Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo

A declaração de posição aborda três situações que requerem cuidados especiais em pacientes com hipotireoidismo: hipotireoidismo em idosos pacientes, hipotireoidismo subclínico em pacientes com doenças cardíacas e hipotireoidismo de difícil controle. Esta publicação traz aspectos relevantes do documento.

1- Como deve ser o diagnóstico de hipotireoidismo em idosos?
O hipotireoidismo evidente é caracterizado por aumento níveis de TSH e diminuição dos níveis de tiroxina livre (FT4), enquanto o hipotireoidismo subclínico é caracterizado por níveis aumentados de TSH, mas hormônio tireoidiano normal. Como o TSH circulante aumenta com a idade, mesmo na ausência de doença da tireoide, os valores de TSH devem ser considerados pela idade específica, principalmente em idosos e naqueles com suspeita de hipotireoidismo subclínico. Em estudo brasileiro incluindo 1.200 indivíduos com idades entre 20 e 80 anos, os níveis medianos de TSH superior foram de
4,3mIU/L, 5,8mIU/L, e 6,7mIU/L entre indivíduos com idade 20-59, 60-79 e > 80 anos, respectivamente.

Em pacientes com níveis séricos elevados de TSH, a dosagem desse hormônio deve ser repetida dentro de 3 meses para confirmar a disfunção persistente, juntamente com T4 livre sérico (FT4) para determinar se é hipotireoidismo evidente ou subclínico. Na maioria das circunstâncias, dosar triiodotironina total (T3) não é recomendado. É importante observar que os níveis séricos de TSH podem estar levemente elevados durante a fase de recuperação de doenças não tireoidianas; portanto, paciente que esteve recentemente doente ou hospitalizado deve ter TSH níveis verificados novamente em 6-8 semanas. Uma vez que o diagnóstico de disfunção tireoidiana é confirmado, anticorpo peroxidase da tireoide (TPOAb), marcador de autoimunidade, deve ser medido para investigar a tireoidite autoimune. Pacientes idosos, em particular, podem apresentar exames laboratoriais associados ao hipotireoidismo; portanto, a investigação nesses pacientes deve incluir, antes da decisão do tratamento, hemograma, níveis séricos de sódio, colesterol total e LDL, glicemia e marcadores de doença hepática gordurosa não alcoólica.

Recomendação:
O hipotireoidismo evidente é caracterizado por aumento dos níveis de TSH e diminuição dos níveis de FT4. O diagnóstico de hipotireoidismo subclínico em idosos deve ser determinada com base em valores de TSH específicos para a idade e após uma repetição da medição do TSH. Autoanticorpos (TPOAb) deve ser medido em caso de confirmação hipotireoidismo ou hipotireoidismo subclínico.

2- Quando o hipotireoidismo evidente deve ser tratado em os idosos?
As recomendações sobre o tratamento desses pacientes são baseadas nos riscos de não os tratar e a experiência histórica adquirida com a tireóide reposição hormonal ao longo do tempo. A maioria apresentação clínica grave e com risco de vida de o hipotireoidismo é o coma mixedematoso, uma condição que acomete mais frequentemente os indivíduos mais velhos,expondo-os a um maior risco de morte. A insuficiência cardíaca é encontrada na maioria dos casos de mixedema, geralmente com desfecho fatal se a reposição do hormônio tireoidiano não for iniciada em uma forma oportuna. Pacientes com insuficiência cardíaca sintomáticos têm um maior risco de morte quando se apresentam com hipotireoidismo concomitante, em comparação com aqueles com função tireoidiana normal.

Recomendação
Com base nos riscos de não tratar pacientes idosos com hipotireoidismo e na experiência histórica adquirida com a reposição do hormônio tireoidiano nesses indivíduos, todos os pacientes idosos com hipotireoidismo evidente devem ser tratados para alívio dos sintomas e prevenção de complicações clínicas e/ou desfechos desfavoráveis.

3- Quando o hipotireoidismo subclínico deve ser tratado em idosos?
O tratamento tem sido recomendado para os mais jovens (<65 anos de idade) e adultos mais velhos (≥65 anos de idade) com hipotireoidismo subclínico e níveis de TSH ≥ 10 mIU/L devido à associação desta condição com aumento do risco cardiovascular e de mortalidade. Dados de estudos não mostram evidência clara de resultados clínicos ou qualquer benefício do tratamento com LT4 do hipotireoidismo subclínico entre adultos mais velhos (particularmente os mais idosos). Em contraste, o tratamento excessivo com LT4 em indivíduos idosos tem sido consistentemente associado com maior risco de efeitos adversos, como fibrilação, osteoporose e fraturas ósseas.

Recomendação
A decisão de tratar pacientes idosos com hipotireoidismo subclínico deve ser baseado em as características clínicas individuais do paciente e em um equilíbrio cuidadoso entre o tratamento riscos e benefícios.
O tratamento deve ser considerado para idosos pacientes (≥65 anos) com níveis de TSH persistentemente acima de 10 mIU/L, particularmente aqueles com alto risco cardiovascular.
No entanto, uma atitude mais cautelosa abordagem conservadora é recomendada para pacientes idosos (≥ 80 anos), particularmente aqueles com mais de 85 anos, nos quais o os riscos do tratamento podem superar o potencial benefícios. Uma abordagem de acompanhar, incluindo monitoramento regular da função da tireoide, considerando qualidade de vida e expectativa de vida, parece ser a melhor estratégia para esses pacientes.

4- Como deve ser o tratamento do hipotireoidismo em os idosos?
Recomendação:
• A droga de escolha para o hormônio tireoidiano terapia de reposição em idosos é LT4, enquanto terapia combinada de LT4/LT3 deve ser evitada nesta população.
• Idosos saudáveis com <80 anos podem iniciar um regime de reposição de dose completa, enquanto para os longevos (particularmente aqueles com comorbidades subjacentes), uma avaliação parcial regime de substituição com doses iniciais mais baixas (12,5-25 μg) é uma abordagem mais segura.
• A dose de LT4 deve ser ajustada a cada 4–8 semanas considerando como alvo um nível de TSH entre 2,0 e 6,0 mIU/L.

Qual é a abordagem dos pacientes com hipotireoidismo de difícil controle?
Em termos de hipotireoidismo de difícil controle, um aspecto importante é a abordagem dos pacientes com hipotireoidismo refratário, quando causas potenciais e alternativas terapêuticas para esta condição devem ser mais explorado. Outra preocupação em casos de difícil controle hipotireoidismo é o tratamento de pacientes que permanecem sintomáticos apesar de apresentarem soro níveis de hormônio tireoidiano dentro das metas recomendadas.

1- Como deve ser a abordagem para refratários hipotireoidismo?
Hipotireoidismo refratário é um termo usado para pacientes com hipotireoidismo primário que necessitam de doses de LT4 acima de 2,5μg/kg ou 250-300μg.
Níveis séricos de TSH persistentemente altos devem ser investigados para identificar se o paciente está tomando LT4 corretamente e para excluir fatores que afetam a biodisponibilidade de LT4. Nestas condições, a investigação deve incluir a adesão do paciente e possível interferência com biodisponibilidade de LT4 por nutrientes, alimentos, drogas e doenças
gastrointestinais. Potenciais causas de má absorção que afetam a biodisponibilidade de LT4 incluem (i) gastrite atrófica devido à presença de anticorpos de células parietais, (ii) gastrite atrófica associada com Helicobacter pylori e hipocloridria, e (iii) absorção reduzida de LT4 relacionada à doença celíaca, entre outras causas.
A falta de adesão ao tratamento com LT4 é comum e deve ser explorada com o paciente em ambiente sem confronto. O teste oral de absorção de LT4 pode ser usado para discriminar entre má absorção versus pseudo má-absorção, a última causada por uma falta intencional de adesão ao tratamento pelo paciente. O teste é realizado pela administração de uma dose oral fixa de LT4 de 1,0-1,5mg (1.000- 1.500μg) e medição dos níveis séricos de TSH com T4 livre (FT4) ou T4 total (TT4) basal e em intervalos de 1 hora por 4 a 6 horas. Má absorção gastrointestinal é excluída na presença de um TT4 elevação >
50% ou um aumento de duas a três vezes em FT4, com pico em 2 horas, e diminuição do TSH em 40% após 2 horas.
Recomendação
• No hipotireoidismo refratário ao tratamento com LT4, recomenda-se:
– verificar o cumprimento e administração correta de LT4 (com água, estômago vazio e pelo menos 30 minutos antes do café da manhã ou na hora de dormir);
– reavaliar se a dose de LT4 é adequada para o peso corporal do paciente;
– certificar que o LT4 não está sendo tomado com alimentos, bebidas, café, leite, mamão, fibras ou produtos de soja;
– investigar potenciais drogas que afetam o requerimento de LT4;
– excluir condições médicas que interfiram com a absorção de LT4;
– considerar o teste de absorção oral de LT4 para discriminar entre gastrointestinais má absorção versus pseudo-má absorção;
– evitar terapia combinada com LT4/LT3, pois isso abordagem não é recomendada rotineiramente.

2- Quais são as alternativas terapêuticas para tratar hipotireoidismo?
Muitos estudos mostram que até 40% dos pacientes com hipotireoidismo são supertratados e a 40% são subtratados, especialmente quando mais velhos 65 anos. Um estudo brasileiro incluindo 2057 pacientes com hipotireoidismo tem mostrado prevalência taxas de subtratamento e sobretratamento de 25,9% e 14,4%, respectivamente, e 80% de reprovação pelos pacientes a seguir as instruções dos médicos devido a esquecimento ou mal-entendidos na prescrição.
A influência da ingestão de alimentos na absorção de LT4 foi relatado pela primeira vez por Wenzel & Kirschsieper, que demonstraram que a absorção de LT4 foi significativamente melhor quando administrado em jejum (79%) do que com ingestão de alimentos (64%).
Outros estudos mostraram níveis de TSH maiores quando LT4 é tomado com café da manhã versus em jejum, embora seus níveis tenham permanecido dentro da faixa normal em ambas as condições. A administração de LT4 concomitante ao café da manhã ou na hora de dormir poderia ser mais conveniente para os pacientes, e estudos mostraram que, apesar de uma leve elevação nos níveis de TSH, seus níveis se mantiveram dentro da faixa normal. Um estudo cruzado randomizado com LT4 administrado uma vez ao dia versus uma vez por semana mostrou que o tratamento com LT4 uma vez por semana leva
a aumentos transitórios de FT4, mas não está associado a hipertireoidismo, sintomas cardíacos, anormalidades no ecocardiograma ou diferenças significativas no TSH médio entre os grupos (3,45 ± 2,67 mIU/L versus 1,87 ± 1,60 mIU/L, respectivamente) em 6 semanas.
Pacientes incapazes de tomar LT4 durante o jejum pode ser prescrito LT4 em cápsulas de gel ou líquido, que não são dependentes no pH gástrico para absorção adequada. Estas formulações alternativas podem ser tomadas com café da manhã, sem afetar os níveis de TSH. O LT4 intramuscular tem sido usado para tratar hipotireoidismo em pacientes com LT4 anormal teste de absorção, em que os níveis de TSH normalizaram em um regime de 500 μg de LT4 intramuscular uma ou duas vezes por semana.

Recomendação
Formulações alternativas de LT4 podem ser uma opção para pacientes com difícil adesão ao tratamento e, raramente, em pacientes com LT4 negativo teste de absorção. Para pacientes nos quais um determinado meta de TSH sérico é importante (por exemplo, grávida mulheres e pacientes que necessitam de TSH supressão para tratamento de câncer), comprimidos de LT4 durante o jejum são o tratamento recomendado.

3- Os pacientes devem ser tratados com levotiroxina-liotironina combinação?
Embora a maioria dos pacientes responda bem à terapia com LT4, alguns – por razões desconhecidas – permanecem sintomáticos mesmo quando apresentando níveis de TSH dentro do faixa normal, impondo outro desafio de tratamento.
A persistência dos sintomas de hipotireoidismo, apesar exames laboratoriais aparentemente normais podem ser devidos a várias causas (anemia, deficiência de B12, folato e vitamina D, doença de Addison, hipopituitarismo, hiperparatireoidismo, doença celíaca, fadiga devido a outras causas – por exemplo, fatores de estilo de vida, depressão, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, obesidade, apneia obstrutiva do sono, distúrbios do sono, álcool, abuso de drogas. Excluindo essas causas, não está claro por que alguns pacientes permanecem sintomáticos apesar de tomar uma dose ideal de LT4, e o papel de
terapia combinada de LT4/LT3 nesta circunstância é questionável.
As diretrizes para o tratamento do hipotireoidismo pela American Thyroid Association (ATA) reconhecem que pacientes com hipotireoidismo tratados com LT4 e com valores normais de TSH sérico podem ter níveis séricos de T3 na extremidade inferior – ou mesmo abaixo – a faixa de referência. O significado de T3 concentrações dentro ou ligeiramente abaixo do normal gama ainda não está claro, e não existem evidências suficientes para recomendar o tratamento com LT4 com o objetivo de alcançar valores normais/baixos de TSH ou valores normais/altos de T3.
Evidências de modelos experimentais de hipotireoidismo mostraram que LT4 sozinha pode ser incapaz de fornecer uma quantidade adequada de T3 a todos os tecidos alvo da ação do hormônio tireoidiano, embora isso possa ser alcançado pela terapia combinada de LT4/LT3. Diversos ensaios clínicos foram incapazes de mostrar benefícios consistentes com a terapia combinada de LT4/LT3. Aspectos importantes da administração de LT4/LT3 devem ser esclarecidos antes que esta terapia seja recomendada a um paciente.
Recomendações
No caso de sintomas persistentes atribuíveis ao hipotireoidismo, apesar de exames laboratoriais aparentemente normais, recomenda-se:
– investigar nutrição, endócrina e condições autoimunes que podem ser responsáveis por tais sintomas;
– explorar o diagnóstico diferencial da fadiga (sugestão de plano de trabalho: investigar estilo de vida fatores, depressão, fibromialgia, crônica síndrome de fadiga, obesidade, sono obstrutivo apnéia, distúrbios do sono, álcool ou drogas Abuso);
– considere as mudanças fisiológicas que ocorrem como pacientes adultos passam por diferentes estágios de vida e experimentar mudanças nas necessidades de LT4 relacionados a condições médicas e medicamentos;
– contemplar o encaminhamento do paciente para um endocrinologista se os sintomas persistirem;
– evitar terapia combinada de LT4/LT3, considerando que até agora faltam evidências sólidas mostrando vantagem de LT4/LT3 sobre LT4 sozinho.

Referências
Approach to adult patients with primary hypothyroidism in some special situations: a position statement from the Thyroid Department of the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM). Arch Endocrinol Metab. 2022;66/6. DOI: 10.20945/2359-3997000000545


Deixe um comentário

Your email address will not be published.

You may use these <abbr title="HyperText Markup Language">HTML</abbr> tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*