Testes de anticorpos, incluindo os neutralizantes, como ferramenta laboratorial de utilidade de saúde populacional na pandemia de Covid-19

Os testes de anticorpos para a COVID-19 são úteis para determinar se as pessoas foram previamente infectadas pelo SARS-CoV-2. Esta capacidade contrasta com os testes diagnósticos, que são usados para determinar se alguém está infectado e provavelmente capaz de infectar outros. Os testes de diagnóstico amplificam o material genômico viral ou detectam antígenos virais presentes em uma amostra de paciente. Embora os pacientes possam ter simultaneamente um resultado de teste positivo para testes diagnósticos e sorológicos, a soropositividade surge mais tarde no curso da doença. Dadas as dificuldades na acessibilidade dos testes de diagnóstico e a alta incidência de infecções assintomáticas, nem todos que estão infectados têm a oportunidade de ser testados antes de eliminar o vírus. Os testes de anticorpos para SARS-CoV-2 podem, assim, fornecer informações importantes sobre o histórico médico do indivíduo.

 

Entretanto, os testes de anticorpos não devem ser usados para a tomada de decisão individual neste momento, pois os resultados podem ser imprecisos (áreas de baixa prevalência da doença, variabilidade de testes disponíveis no mercado) e não se sabe se a exposição prévia ao SARS-CoV-2 leva a imunidade durável. Os testes de anticorpos são valiosos em nível populacional para apoiar estudos de vigilância sorológica, para rastrear aumentos ou diminuições na incidência e prevalência, e para aumentar o conhecimento científico. Embora a presença de anticorpos seja importante para a compreensão de infecções anteriores em uma população, há lacunas na compreensão da imunidade protetora ao SARS- CoV-2.

A capacidade do sistema imunológico para prevenir reinfecções difere com cada patógeno; alguns provocam longa duração, imunidade específica, enquanto outros não. A imunidade também difere entre os indivíduos, desde a magnitude da resposta até a sua especificidade. Os níveis de anticorpos, ou títulos, podem mudar ao longo do curso da infecção e posteriormente.
Se a infecção prévia por SARS-CoV-2 leva à imunidade contra reinfecção
permanece uma questão aberta.

A maioria dos pacientes torna-se positiva para anticorpos após 2 semanas de
infecção. Os anticorpos aumentam durante as primeiras 3-4 semanas após o início dos sintomas.

No geral, os anticorpos parecem atingir o pico de 14-30 dias após o início dos sintomas e, em seguida, declinam lentamente durante 2-3 meses. Os níveis de anticorpos variam com o isotipo e a gravidade da doença; pacientes com doença grave têm maiores níveis de anticorpos que podem persistir por mais tempo.
Os níveis de IgA e IgM diminuem após 60 dias após início dos sintomas. Foi
demonstrado que os anticorpos IgG persistem até 90 dias, mesmo em casos leves. Em um estudo em Wuhan, China, os pesquisadores descobriram que os níveis de IgG específicos do domínio de ligação ao receptor (Receptor-binding Domainou RBD) em pacientes assintomáticos foram menores do que em pacientes sintomáticos, embora a prevalência tenha sido semelhante entre os dois grupos (prevalência de IgG de mais 80% de todos os casos 3–4 semanas após a exposição). É importante ressaltar que os anticorpos são apenas um elemento da resposta imune. A resposta imune celular, que envolve células T, não pode ser medida através de um teste de anticorpos.

Anticorpos Neutralizantes: O SARS-CoV-2 possui várias proteínas estruturais, incluindo spike (S), envelope (E), membrana (M) e nucleocapsídeo (N). A proteína spike (S) contém um domínio de ligação ao receptor (RBD), que é responsável por reconhecer o receptor da superfície celular, a enzima conversora da angiotensina 2 (ACE2). Verificou-se que o RBD da proteína SARS-CoV-2 S interage fortemente com o receptor ACE2 humano levando à endocitose nas células hospedeiras e replicação viral.

A infecção pelo SARS-CoV-2 inicia uma resposta imune, que inclui a produção de anticorpos. Nem todos os anticorpos podem bloquear a infiltração celular e a replicação do vírus SARS-CoV-2. A subpopulação dos anticorpos que pode realizar este bloqueio é denominada anticorpos neutralizantes.

Muitos estudos, que analisam os níveis de anticorpos ao longo do tempo, não indicam se esses anticorpos são neutralizantes e protegem contra infecções. Estudos têm demonstrado interesse em avaliar esses anticorpos. Em doadores de sangue que se recuperaram de COVID-19 e eram elegíveis para doar plasma convalescente, os níveis de anticorpos neutralizantes eram variáveis. Seus níveis parecem se correlacionar com a gravidade da doença. Títulos de anticorpos neutralizantes em pacientes com COVID-19 grave são maiores do que naqueles com doença leve. Resultados de estudo da dinâmica da resposta humoral demonstraram que anticorpos neutralizantes observados dentro de 14 dias de início dos sintomas são correlacionados com uma melhor trajetória da doença.

Ensaio para detecção qualitativa de anticorpos neutralizantes para SARS-CoV-2 no soro e plasma humanos, recentemente disponível para uso comercial, destina-se a auxiliar na identificação de indivíduos com resposta imune adaptativa à SARS-CoV-2, indicando infecção recente ou prévia, diferenciar indivíduos ou soros com e sem anticorpos neutralizantes funcionais, bem como a porcentagem de inibição. Ainda há muito que aprender sobre os anticorpos neutralizantes provenientes da infecção por SARS-CoV-2. O teste cPass™ SARS- CoV-2 Neutralization Antibody é um ensaio ELISA pioneiro em seu tipo e que facilita a detecção específica de anticorpos neutralizantes.

Os ensaios para anticorpos neutralizantes, assim como os testes sorológicos para anticorpos, possuem limitações como:

  • detecção qualitativa;
  • resultados negativos não excluem a infecção por SARS-COV-2, permanecendo o diagnóstico molecular necessário para avaliar a infecção aguda por SARS-CoV-2.
  • resultados de teste de anticorpos neutralizantes não devem ser usados para diagnosticar ou excluir infecção aguda por SARS-COV-2.
  • resultados positivos podem ser devido à infecção atual ou passada com cepas de coronavírus não SARS-COV-2, devendo-se considerar informações da história clínica e prevalência de doença local ao avaliar a necessidade de um segundo, diferente, teste de sorologia para confirmar a resposta imunológica; e.
  • não se sabe, até o momento, se anticorpos contra SARS-CoV-2 conferem imunidade à reinfecção.

Embora a resposta de anticorpos neutralizantes para a infecção por SARS-CoV-2 possa persistir por meses após infecção, eles podem variar entre indivíduos e a prevalência de anticorpos detectáveis nas populações diminuir ao longo do tempo. Mais trabalhos são necessários para esclarecer a relação entre as concentrações circulantes de anticorpos e imunidade ao SARS-Cov-2. Como os testes de anticorpos são cada vez mais disponíveis, uma mensagem clara ao público deve informar que os resultados positivos desses ensaios não fornecem evidência de imunidade.

Em linhas gerais, portanto, os testes de anticorpos validados e altamente precisos têm um papel importante na resposta contínua a pandemia de COVID-19 ao nível da população. Com a atual compreensão de correlatos de imunidade, prevalência de doenças e durabilidade da imunidade, o teste de anticorpos deve permanecerá uma ferramenta de saúde pública até que mais se compreenda sobre os impactos de longo prazo da SARS-CoV-2 no sistema imunológico. As indicações atualmente apontadas como o potencial uso dos testes de anticorpos incluem sorodiagnóstico COVID-19, estudos sobre terapias como plasma convalescente e do desenvolvimento de vacinas. Quando for melhor compreendido sobre como os anticorpos refletem a imunidade protetora e como o estado sorológico se correlaciona com as possíveis sequelas, o valor do teste de anticorpos a nível individual poderá ser reavaliado.

Edição 01. Janeiro/2021. Assessoria Médica – Lab Rede

Referências

  1. Rachel West, Amanda Kobokovich, Nancy Connell, GigiKwik COVID-19 Antibod yTests: A Valuable Public Health Tool with Limited Relevance to Individuals. Trends in Microbiology. Article in pres shttps://doi.org/10.1016/j.tim.2020.11.002
  2. Mei San Tang et Association between SARS-CoV-2 neutralizing antibodies and comercial serological assays. bioRxivpreprint https://doi.org/10.1101/2020.07.01.182220
  3. Carolina Lucas et Kinetics of antibody responses dictate COVID-19 outcome. medRxivpreprint https://doi.org/10.1101/2020.12.18.20248331
  4. cPass™           SARS-CoV-2           Neutralization           Antibody           Detection           Kit           Instruções          de           uso.           v.           4.           Disponível          em https://consultas.anvisa.gov.br/#/saude/25351387479202081/?nomeProduto=cpass
  5. Dipender Gill, Mark J Testing for antibodies to SARS-CoV-2 Not as simple as ABC. BMJ 2020;371:m4288 http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m4288

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